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Neuroinclusão?

jan 13, 2023

Há algum tempo, uma nova palavra surgiu no mundo da Diversidade & Inclusão: neuroinclusão. Mas o que isso significa?

 

Trata-se de um neologismo, e como muitas palavras recém-criadas, não há uma definição única, nem houve um uso suficientemente extenso e duradouro desse termo ao longo do tempo para criar uma regra que sugira uma interpretação clara. Por enquanto, a palavra “Neuroinclusão” é usada de duas maneiras diferentes, e as diferenças de uso, embora possam parecer insignificantes à primeira vista, modificam profundamente o seu significado.

 

Podemos entender a neuroinclusão como a inclusão de pessoas que apresentam diferenças neurocognitivas em relação à média da população, ou seja, pessoas neuroatípicas ou neurodivergentes. Ou podemos pensar na palavra neuroinclusão em relação ao conceito de neurodiversidade, ou seja, podemos imaginar a neuroinclusão como a coexistência igualitária de todos os neurotipos, tanto os típicos quanto os divergentes. Segunda essa interpretação, não se trataria da inclusão daqueles que são percebidos ou percebidos como diferentes da média, a clássica inclusão paternalista, ainda que com as melhores intenções.

 

A neurodiversidade, ou seja,  variação de características no desenvolvimento neurológico humano, permite explicar a diversidade neurológica de um ponto de vista diferente, de um ângulo que foca justamente nas diferenças e não na ideia de déficits reais ou presumidos. Obviamente, isso não significa que não haja mais dificuldades, que uma pessoa autista ou disléxica ou dispráxica não encontre toda uma série de obstáculos em seu caminho ou que não precise de apoio. Centrar-se na ideia de diversidade entendida como variabilidade de características, ou seja, falar de neurodiversidade, significa fazer o mundo entender que não se pode definir exclusivamente por deficiências, déficits, porque isso é, em todo caso,  uma falsa visão da realidade. […]

 

Se fala cada vez mais da inclusão das neurodivergências (e não da neurodiversidade, o que é um erro) ou precisamente da neuroinclusão.

 

O problema é que, na maioria dos casos, as suposições estão erradas, porque os modelos neurotípicos são impostos a pessoas neurodivergentes. O que acontece, em muitos casos (obviamente é uma generalização) é uma tentativa de levar pessoas neurologicamente diferentes a usar estratégias de adaptação, para compensar aqueles que continuam sendo percebidos como defeitos por serem comparados com um modelo neurológico típico, “normal”. […]

 

É o modelo clássico de inclusão, um processo de cima para baixo que se repete sempre da mesma forma, como um clone, inclusive quando falamos de neuroinclusão: eu, a sociedade “normal”, permito que você entre no meu grupo, mas você, neurodivergente, autista, disléxico, tourético ou TDAH, deve aprender a fazer as coisas do meu jeito. Em suma, a responsabilidade pelas dificuldades de interação entre dois grupos sociais, neurodivergente e neurotípico, quase nunca é compartilhada, mas sempre atribuída ao grupo sub-representado.

 

E, ao contrário, seria útil que os envolvidos na inclusão no trabalho partissem da ideia de reciprocidade da qual já falamos abundantemente em outras ocasiões. Não basta educar o diferente para que ele se comporte como uma pessoa “normal”.

 

Por que a ideia de reciprocidade é fundamental? Porque não tira a dignidade dos neurodivergentes, não coloca sobre eles a responsabilidade de ter que mudar, de ter que fazer melhor e superar as dificuldades indo contra sua natureza. Em suma, dizer a uma pessoa autista para tentar resistir a estímulos sensoriais para os quais não está estruturada para resistir é como dizer a uma pessoa em uma cadeira de rodas que ela deve tentar andar.

 

E é aqui que eu queria chegar, o verdadeiro significado da neuroinclusão, que não é só uma inclusão de neurodivergências, porque continuaria a propor o modelo clássico, paternalístico e disfuncional da inclusão que vem de cima, a ideia de que existe um grupo de pessoas melhores que outras que permitem que façam parte de seu mundo. Em vez disso, pensamos na neuroinclusão como a existência de diferentes neurotipos, os divergentes e o típico, com a coexistência da neurodiversidade, ou seja, com a “neuroconvivência”.

 

[Este é um pequeno trecho do livro “Di pari passo, il lavoro oltre l’idea di inclusione”, de Fabrizio Acanfora, ed. Luiss University Press]