- Pensar que tem tempo suficiente para fazer algo e logo chegar o final do dia e você não ter feito.
- Aceitar um emprego ou decidir ajudar um amigo para depois perceber que não tem tempo nem energia para cumprir com o compromisso.
- Começar o dia com ansiedade por tudo que tem que fazer.
- Chegar ao final do dia com um sentimento de insatisfação por não ter conseguido concluir o que se propôs.
- Se jogar de cabeça em um trabalho e, depois de um tempo, ficar exausto por ter se excedido.
- Te dizerem que é inflexível e incapaz de mudar seus planos.
- Depender tanto de um planejamento preciso das atividades, que o menor imprevisto te coloca em crise.
A capacidade de planejar é uma operação complexa que requer a interação de várias funções cognitivas. Para planejar qualquer coisa, desde uma simples ação até uma complexa estratégia política ou econômica, devemos primeiro ser capazes de identificar uma necessidade, como realizar as tarefas atribuídas no trabalho para a semana seguinte.
Estabelecemos um objetivo que, trivialmente, é precisamente a necessidade de satisfazer. Nesse caso, nosso objetivo será concluir todo o trabalho designado no tempo estabelecido.
Chegando a este ponto, devemos formular uma série de opções que poderíamos seguir para alcançar nosso objetivo. Qualquer opção pressupõe uma análise das tarefas a realizar e das possibilidades que dispomos (tempo, meios); na prática, você tem que fazer simulações. Se, por exemplo, eu decidir responder a todos os e-mails pela manhã e programar o resto do dia de forma extremamente rígida, posso ter problemas ao receber correspondências urgentes.
Uma vez avaliadas todas as opções possíveis, é necessário escolher aquela que aparentemente (novamente, dependendo das capacidades de cada um) me pareça garantir que posso alcançar meu objetivo com uma boa relação entre gasto de energia, meios disponíveis e resultado. E, chegando aqui, é preciso coordenar todas as ações necessárias para colocar em prática a opção escolhida, dando um cronograma claro a essas ações. Portanto, concordamos que o planejamento não é uma função elementar.
A história das diferenças nas funções executivas é um pouco como o cachorro que morde o próprio rabo porque, por um lado, ter problemas nas funções executivas nos predispõe a ser caóticos e desorganizados (muitas vezes preferimos gastar o máximo de tempo possível com nossos interesses pessoais e deixar todo o resto fora de nosso foco) e, por outro lado, uma vez que desenvolvemos (por necessidade) estratégias de planejamento, podemos nos tornar muito eficientes e reduzir essas mesmas dificuldades com funções executivas.
Permanece, no entanto, o famoso problema da falta de flexibilidade que caracteriza muitos autistas (mas não todos) e que não é de forma alguma um capricho, mas uma característica que pode ser, como em outras ocasiões, o resultado da necessária e inevitável interação com a sociedade e suas regras. Quando é feito por necessidade, ou seja, para “funcionar” melhor na sociedade, aprendemos estratégias de planejamento, duas coisas podem acontecer:
- Como não é algo que fazemos naturalmente, temos que ativar o “programa” de funções executivas sempre que identificamos a necessidade de fazê-lo. E isso pode não acontecer em momentos de sobrecarga sensorial, emocional ou cognitiva, ou quando estamos extremamente ocupados com nossos próprios interesses pessoais.
O resultado da falta de ativação voluntária da função de planejamento é um retorno ao modo autista de funções executivas que, em comparação com a maioria da sociedade, voltaria a parecer deficiente, o que causaria problemas no trabalho, na escola e nas relações sociais.
- Como é uma função que aprendemos artificialmente (porque nos é explicada ou nós mesmos a alcançamos depois de muitas tentativas), ela segue regras bem definidas, embora não tenhamos plena consciência delas. Portanto, assim que o inesperado chega, entramos em pânico.
Um estudo[1] confirma esta hipótese, nos dizendo que: “Planejar requer estabelecer e manter um objetivo. Como é impossível prever todos os acontecimentos que podem dificultar a consecução de um objetivo, é melhor assumir que não há obstáculos enquanto que tem nenhum à vista, ou seja, aplicar a hipótese do mundo fechado[2] às exceções. No entanto, deve-se manter aberta a possibilidade de ter perdido um possível obstáculo e então ajustar o plano em consequência. Por exemplo, se planejo uma viagem de trem, assumirei que não há greves, quedas de energia, acidentes, etc., desde que não tenha informações que indiquem o contrário. Sugerimos, portanto, que pode ser justamente a aplicação flexível do pressuposto do “mundo fechado” às exceções que resulte difícil para os autistas. Dado que, em muitas situações, o tratamento flexível de exceções é necessário, não é de se estranhar que pessoas autistas muitas vezes tenham problemas para planejar e organizar sua vida cotidiana e se apeguem a rotinas fixas e horários rígidos.
Uma das características mais atribuídas ao autismo é justamente a necessidade de repetição e, principalmente, a dificuldade em lidar com surpresas e imprevistos, e isso parece ter uma base neurológica.
Surge então um duplo problema: por um lado, a necessidade de desenvolver estratégias de planejamento eficazes para poder interagir de forma eficiente com o mundo neurotípico e, por outro, lidar com possíveis contingências que possam prejudicar os planos feitos.
O primeiro dos problemas pode ser resolvido de várias formas, principalmente ao percebermos que, querendo ou não, ao longo do dia iremos encontrar uma série de atividades (muitas exigidas pela sociedade e por vezes incompreensíveis para nós) que teremos de realizar. Depois de perceber que é mais prático enfrentar a realidade e resolver certas situações quando chegar a hora, você terá que encontrar o modo de planejamento que melhor se adapta ao seu funcionamento.
Como uma pessoa extremamente visual, sei que preciso planejar usando imagens e esquemas visuais o máximo possível, onde tudo possa ser decomposto em pequenos elementos e remontado para que cada peça se torne um mini-objetivo, um passo em direção ao objetivo final.
Essa forma de planejar, pelo menos no meu caso, é muito útil para minimizar o impacto negativo de imprevistos porque, independentemente de quando ocorrer o imprevisto (que tem a incômoda tendência de chegar mais cedo ou mais tarde), permite mudar um ou vários mini-objetivos, salvando o desenho geral e o objetivo final. Isso, claro, desde que o imprevisto não seja grande e exija uma mudança total no plano. Essas ainda são estratégias racionais que têm seus limites, são próteses cognitivas que ainda podem nos permitir alcançar um bom grau de funcionamento social se realmente tivermos que nos comparar com o funcionamento neurotípico.
Voltando aos artigos anteriores sobre funções executivas (1, 2, 3, 4), nos quais expliquei que a memória de trabalho e a atenção são altamente condicionadas pelo estresse (portanto também por sobrecargas sensoriais e cognitivas) e por causa da “carga perceptiva”, ou seja, o interesse que depositamos em uma tarefa ou tópico, descobri que, ao planejar meu dia, pode ser útil incluir um período de atividade relacionada aos meus interesses especiais entre as tarefas.
Não se trata tanto de dar a nós mesmos algum tipo de “reforço positivo”, mas sim de dar tempo para que nossas funções executivas se recuperem após um período de exaustão gasto em uma tarefa na qual temos pouco interesse. No meu caso, eu poderia planejar 45 minutos respondendo e-mails de trabalho e 30 minutos ao piano. Depois, mais 30 minutos preparando a agenda de uma reunião e, como o tema é um dos meus interesses especiais, algumas horas preparando o PowerPoint para uma conferência sobre o espectro do autismo. Em alguns casos, se o tema de trabalho ou estudo corresponde a um interesse especial, descobri que é mais útil não interromper com muita frequência, conseguindo atingir um estado de hiperconcentração mesmo por um tempo prolongado.
Como em muitas outras situações, a solução não é tão simples e, sobretudo, depende em grande medida das características, capacidades, necessidades e aspirações de cada pessoa. Como em tantos outros aspectos do funcionamento autista (e não apenas autista, para ser claro), deve-se sempre ter em mente que essas são diferenças que, comparadas ao funcionamento da maioria da população, podem aparecer como defeitos se e somente se a operação “normal” for considerada a única possível.
NOTE:
[1]Pijnacker, J., Geurts, B., van Lambalgen, M., Kan, C. C., Buitelaar, J. K., & Hagoort, P. (2009). Defeasible reasoning in high-functioning adults with autism: Evidence for impaired exception-handling. Neuropsychologia, 47(3), 644–651. doi:10.1016/j.neuropsychologia.2008.11.011
[2] “L’ipotesi del mondo chiuso (CWA), in un sistema formale di logica usato per la rappresentazione della conoscenza, è la presunzione che un’affermazione vera sia anche riconosciuta come vera. Pertanto, al contrario, ciò che non è conosciuto come vero, è falso.” tradotto da Wikipedia