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Autismo, paternidade e relacionamentos de casal

por | maio 3, 2023

Se o autismo é uma forma diferente de ver e processar os estímulos do mundo exterior, parece óbvio compreender que também implica certas particularidades – nem melhores, nem piores, simplesmente distintas – no momento de criar aspectos como os relacionamentos de casal ou a paternidade e a maternidade.

 

No entanto, no momento de descrever algo tão complexo como a criança, é muito difícil discernir quais características concretas do autismo influem nas decisões de como lidar com o dia a dia com o filho, ou a gestão de tarefas compartilhadas com o(a) parceiro(a) -já que, como temos dito, o autismo é um espectro; não existem duas pessoas autistas iguais. Existe, portanto, uma forma ‘autista’ de compreender os relacionamentos de casal? Ou de lidar com a paternidade? Ou, simplesmente, depende da personalidade de cada pessoa? Neste artigo, vamos analisar diferentes visões sobre este tema.

 

Existem poucos estudos sobre mães e pais autistas; de fato, a grande maioria de investigações costuma falar de filhos autistas, deixando os progenitores em segundo plano – especialmente no caso das mulheres, que continuam sendo subdiagnosticadas. Apesar disso, um estudo mostra que entre 17% e 23% dos pais de crianças autistas têm o que se conhece como fenótipo ampliado do autismo – isto é, que apresentam certas características autistas, sem que se cumpram os critérios exigidos para o diagnóstico. Além do mais, é muito provável que pais e mães autistas enfrentem um estigma social maior se compartilharem seu diagnóstico com outros pais e/ou profissionais.

 

Inspirações, desafios e recompensas

 

Para este artigo, falamos com duas pessoas com experiências diferentes para conhecer sua visão da maternidade/paternidade e seus vínculos de casal. A primeira delas é Andrea, psicóloga especializada em autismo, e mãe de um menino de um ano. E a segunda é Joan, pai autista de um bebê de quatro meses.

 

Para Andrea, a decisão de ter um filho foi algo muito considerado: “Eu vivia isso como uma renúncia na vida, e acredito que isso, de certa maneira, é, apesar de muitas outras coisas boas. É uma renúncia de ter tempo livre, de me priorizar, de compartilhar momentos ociosos com meu marido, inclusive de uma parte de minha identidade. No entanto, apesar disso, agora me vejo mais madura, com mais paciência, e estou muito feliz com minha decisão”.

 

Joan está de acordo com Andrea, e, além do mais, acrescenta: “A princípio, os bebês sempre estão chorando, e o cansaço faz parecer que a cabeça vai explodir. Porém, a minha filha é o meu pequeno tesouro, é pureza, não tem toda a bagagem negativa que nos incutiram. É o meu projeto de vida”.

 

Diagnóstico de autismo e estigma

 

Em relação a sua condição de pai autista, Joan comenta: “Eu acredito, sim, que posso me sentir julgado, mas também é uma coisa que tenho que trabalhar em mim mesmo. Sinto-me muitas vezes inferior aos demais, e tenho que aprender a não demonstrar constantemente que valho a pena. O autismo, por outro lado, me condicionou a vida inteira; talvez, se não tivesse tido essas características, poderia ter sido pai antes. É difícil fazer hipóteses, mas se não tivesse tido tantos medos, talvez estaria preparado antes”.

 

Andrea, por sua vez, quis nos contar o que aconteceria se seu filho fosse diagnosticado com autismo: “Acredito que isso despertaria muitos medos em mim. Pela minha trajetória relacionada com o autismo ter sido de muito sofrimento, isso me dá medo, não pela condição em si, mas pelo que a diferença implica. Por exemplo, meu filho é ruivo, e é algo que eu gosto muito, mas sei que é uma diferença que pode fazer com que ele seja motivo de piada, ou que riem dele, e isso me preocupa. E com o autismo, como qualquer outra diferença, talvez passaria pelo mesmo, porque a sociedade funciona assim muitas vezes, rejeitando ou apontando para os que não são como a maioria”.

 

Valores e ensinamentos positivos

 

Joan é muito claro sobre como quer educar a filha: “Não quero cortar suas asas nem forçá-la a ser de uma determinada maneira, mas também quero protegê-la, e tentar manter a pureza o máximo possível. Embora, afinal, temos que nos inserir na sociedade e aprender a sobreviver nessa selva, e isso é mais complicado. No entanto, pelo menos, quero tentar fazê-la se sentir livre em casa, e que aprenda a respeitar os outros”.

 

Nesse ponto, Andrea explica que tem quatro quadros em casa – com frases e desenhos de animais – que representam alguns dos valores que gostaria de transmiti-los ao filho: “O primeiro é que seja único, no sentido de que seja como queira ser, sem medo de ser julgado; o segundo é que seja curioso, que queira aprender as coisas da vida e que tenha uma mente aberta; o terceiro é que seja valente para lidar com situações complicadas que virão, e que aprenderá a se levantar ou, se não, a pedir ajuda para seguir adiante, e, por último, que seja feliz, que faça coisas que lhe preencham. Além disso, também gostaria que fosse generoso e respeitoso com as pessoas, e eu tenho uma grande responsabilidade em lhe transmitir essas qualidades, porque eu sou o modelo e ele aprenderá comigo”.

 

Relacionamentos de casal

 

Joan está com a esposa há sete anos, e afirma que ela lhe ensinou a amar de verdade: “É uma pessoa muito tolerante, e sempre me aceitou do jeito que eu sou. Às vezes é difícil porque a vejo muito parecida comigo e existem coisas sobre mim que não gosto, porém, à medida que a amo mais, vou me amando mais. É um processo de abertura do coração, é um processo lento. Eu sempre havia imaginado o amor como do filme da Disney, muito platônico, e agora entendo que, ao final, o importante é o compromisso diário, o projeto de vida que compartilha com uma pessoa”.

 

Por último, Andrea acrescenta: “para mim, é fundamental que meu marido me faça rir, que tenhamos cumplicidade, comunicação e respeito. Agora, depois de alguns meses de tensão pelo cansaço extremo que significa ter um bebê, acho que meu parceiro e eu formamos uma boa equipe com meu filho”.

 

No artigo seguinte, vamos falar com Marina, mãe autista de um garoto autista de 12 anos, e conheceremos como ela viveu o processo da maternidade, o que significou para ela o diagnóstico – tanto o de seu filho, aos três anos, como o dela, aos 50 – e como lida com os desafios encontrados no dia a dia.

 

Montse Bizarro, Specialisterne España